O príncipe - Maquiavel II

 Por:  Rafael Resende Cassimiro

 

Maquiavel começa sua obra “O Príncipe” fazendo uma carta dedicatória ao magnífico Lorenzo Médici, o qual presenteou com este livro, mesmo sabendo que uma obra não é digna de um príncipe.

Ele coloca-se perante Lorenzo como se fosse um servo e expõe o porquê de escrever este livro. Esta obra é tida até os dias atuais como sendo um “manual” obrigatório a qualquer pessoa que pretende ser, ou é, político, empresário, governante ou líder, assim sendo, qualquer pessoa que tenha a pretensão de obter algum poder, ou o já tenha.

O autor utilizou-se de toda sua inteligência e astucia para introduzir sua obra valorizando-a perante as demais, fazendo assim, com que ela esteja entre uma das principais obras de sua época e que seja, ainda, de grande repercussão na atualidade.

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Maquiavel expõe os vários tipos de Estados existentes, citando as Repúblicas e os Principados, e subdividindo esses últimos entre os hereditários e os fundados recentemente. Mostra assim, toda sua capacidade de percepção do mundo que o rodeia.

Nestas primeiras partes se propõe a analisar as razões da prosperidade ou da ruína de um Estado, bem como os métodos que muitos empregam para conquistá-los ou mantê-los.

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Ao citar o exemplo do Duque de Ferrara na Itália pretende demonstrar a menor dificuldade de se manter um principado herdado tendo como relação às Monarquias Novas. Diz ele, que o Duque somente conseguiu manter-se soberano por uma única causa: a antiguidade de sua dinastia.

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Já no caso dos Estados Mistos, diz Maquiavel, o soberano fará inimigos e sempre precisará de favor dos habitantes de um território para dominá-lo. É certo que depois de conquistados pela segunda vez, os territórios rebeldes não serão perdidos tão facilmente quanto na primeira vez.

Para se conquistar o que almeja é preciso que se detenha o bom senso e não ser extremamente ganancioso. Vê-se com certa freqüência na atualidade esta situação em que alguém que detenha certo poder prefere esmagar os outros à obter sua ajuda.

A presença do soberano em um Estado conquistado serve-lhe muito no caso de rebeliões e os ajuda a ter uma antevisão dos males que poderão surgir no seu território. Assim, ele consegue manter-se no poder por mais tempo e administrar melhor seu Estado para que não haja um golpe que o tire de seu posto.

A obra cita algumas ocasiões ocorridas há vários anos em países próximos ao seu para exemplificar o que foi dito e como uma forma de realce de suas idéias.

O autor revela ainda que não se deve criar o poder de outrem, pois assim sendo, causará sua própria ruína pelo fato de esse poder se originar na astúcia ou na força, e ambas serem suspeitas a quem se torna poderoso.

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O livro fala que quem se trona príncipe por seu valor tem mais dificuldades em tornar-se, mas mais facilidade em manter-se no posto. Assim sendo, podemos fazer um paralelo com os dias atuais no que diz respeito ao merecimento.

Uma pessoa se chega a um alto cargo por merecê-lo, raramente será retirado dele, mas se o consegue fazendo por sorte, indicação ou por algum meio vil, ou criminoso, raramente conseguirá manter-se nele, pois mostrará logo incompetência, descaso, e em alguns casos, será descoberto fazendo algum ato ilícito.

Por outro lado, os que buscam poder por meio criminoso, e não procura nenhum favor dos concidadãos, pode ser que se conduza ao poder, mas não à glória. Este prescinde ao valor e a sorte.

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Maquiavel diz ainda que para se conquistar o poder pode se cometer injurias e crueldades, mas somente para se chegar lá, não persistindo nesta situação, pois agindo assim perderá credibilidade.

Talvez, este seja um dos motivos da existência do termo “Maquiavélico”, o qual tem como um dos seus significados a palavra “cruel”. Coloca-se neste caso como sendo um homem ríspido que aceita a guerra como um meio de se alcançar o que se deseja.

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Outra forma de se alcançar o poder almejado é se apoiando no favor dos cidadãos, o que se denominaria governo civil. Quem chega ao poder com ajuda dos ricos tem menos tendência de conseguir controlá-los, pois estes se parecem a igualar a ele. Já o contrario não ocorre, porque quem chega ao poder apoiado pelo favor popular, nele está só e pode assim manter sua estima, o que consegue facilmente apenas por não o reprimir. É o que deveria acontecer com nossos governantes, livrarem-se dos escândalos envolvidos e, construir uma reputação digna da aprovação do povo.

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Para o caso de quem precisa sempre do auxilio alheio, expõe Maquiavel, é prudente que construa solidas fortificações ao redor de si ignorando completamente os outros, pois somente assim poderão manter-se no poder. Cita como exemplo a Alemanha que segue esse caminho de raciocínio. Ela está fortificada de tal modo que os demais julgam difícil e tedioso a sua invasão e não tentem fazê-la. Maquiavel foi extremamente satisfatório nesta colocação, pois, no que se refere a um administrador de qualquer empresa ou Estado, tem-se a mesma atitude perante os demais.

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Por último, Nicolau fala sobre os Estados eclesiásticos, colocando eles como sendo os únicos seguros e felizes. Têm eles assim pelo fato de serem conquistados por sorte ou por mérito e não precisar de nenhum dos dois para mantê-lo. Nos dias atuais temos as igrejas como exemplo deste tipo de Estado. Elas, como disse Maquiavel, não precisão de força para se manter o poder, pois o povo não se ressente com a sua autoridade nem pensa em poder subtrair-se a ela.

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Após Nicolau analisar os diferentes tipos de Estados e formas de governo que se podem utilizar príncipe, passa a analisar as milícias e as tropas mercenárias descrevendo os sistemas de defesa e ataque que podem ser usados em cada um deles. Isto demonstra o quão magnífica e complexa é esta obra.

Aos que entregam sua proteção aos mercenários, diz, são despojados na guerra pelos inimigos, e na paz pelos próprios mercenários. Estão prontos para servirem os príncipes em épocas de paz, mas o abandonam assim que a guerra começa.

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São tão inúteis quanto estas, relata o autor, as forças auxiliares pedidas a um vizinho pelo fato de serem sempre perigosas e no caso de perderem, isso representar uma derrota, no caso de vencerem, aprisionam quem as utiliza. Portanto essas milícias representam perigo constante pelo fato de serem unidas e obedientes, mas a outros.

Em conclusão, podemos ver que nenhum príncipe estará totalmente seguro sem seus próprios exércitos para acatarem suas ordens, ou seja, seus súditos, cidadãos ou servos.

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Maquiavel relata que a principal causa da perda de um Estado por seu soberano seria o negligenciar por este da arte da guerra. Um príncipe nunca deve se afastar de seu exercito fazendo com que estes lutem nas guerras, mas também treinem entre elas. Nunca deve ficar ocioso em tempos de paz para que assim adquira conhecimento e experiência. Um príncipe deve também estudar a história dos grandes homens e tomar como exemplo a fim de imitar suas vitórias e evitar suas derrotas.

Nota-se claramente neste capítulo que esta obra escrita por Nicolau Maquiavel foi feita para que fosse um “manual” de como se reger um Estado e como devem ser as atitudes tomadas por um soberano, naquela época, para que não perdesse seu posto no poder. Trazendo para os dias atuais algumas regras deste manual podem ainda ser aplicadas, claro que algumas modificações.

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Na obra é dito que um príncipe deve agir com a prudência necessária para se evitar o escândalo provocado pelos vícios que poderiam abalar seu reinado, porém não deve se importar com os vícios sem os quais seria difícil de manter o Estado. Percebe-se assim mais uma vez o tom ríspido de pensar e de escrever de Maquiavel.

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O príncipe não deve praticar a liberdade, diz ele, e sim a parcimônia, pois com a primeira, acabará falindo seu Estado e sendo odiado por seus súditos, já na segunda terá forças para combater o inimigo e será, posteriormente, aclamado pelos súditos. Porém os que estão á caminho do poder devem sim ser liberais e com isso fazer sua fama.

Na atualidade temos como exemplo alguns políticos, que, desvirtuando um pouco esse conceito, prometem milagres antes das eleições e quando são eleitos a única coisa que fazem é manter-se no poder corruptamente.

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­­­O autor coloca que para quem esta no poder é melhor se temido do que amado. O certo seria serem as duas opções, mas como é difícil de coexistirem, ele prefere colocá-las assim. Neste ponto eu discordo com o pai da ciência política, pois se quem está no poder consegue ser amado por todos, ou pelo menos a maioria, estes o protegerão de qualquer calúnia ou injúria colocadas contra ele. Ainda seria mais fácil de conseguir o que deseja dos seus súditos se estes o fizessem com boa vontade do que se o fizessem por temê-lo.

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Um príncipe, relata o livro, deve aparentar ter ao menos cinco qualidades principais: integridade, fé, piedade, humanidade e religião. Os que conseguirem fazer com que seus súditos percebam neles essas qualidades, principalmente a religiosidade, terão mais facilidade para manter-se no poder. Nesta passagem, podemos ver que Maquiavel deixa claro que vale mais as aparências do que o que realmente se é.

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Nota-se na obra que Maquiavel dedicou-se uma grande parte de seu tempo relatando como um príncipe deve manter sua reputação e evitar o ódio e o desprezo por seus súditos.

Somente, diz ele, não deve fazer com que seja odiado e desprezado por seus súditos, e consegue isso somente respeitando a honra e o patrimônio dos seus súditos. Se o conseguir os demais defeitos não lhe causarão preocupações.

Pode ser, portanto, que um dos maiores segredos para se manter no poder perante seus súditos seja exatamente o respeito que seja empregado por sua parte perante esses. Não pode fazer com que os eles o odeiem e deve manter sua disposição do povo propícia à seus interesses, somente agindo assim não deverá temer uma revolta do povo.

Não falta ao autor exemplos a serem dados com relação a imperadores que foram à ruína por não respeitarem o que foi dito acima como Pertinax, Alexandre, Caracala, Cômodo e Maximino.

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Com relação às defesas empregadas por um monarca, Maquiavel é claro ao dizer que elas são benéficas para os que temem mais aos seus súditos que aos poderes exteriores, e que a maior fortaleza que se pode construir não é a física, feita de pedras, mas sim a feita de confiança nele por parte de seus súditos. Mais uma vez o autor mostra que a confiança é a base de uma boa liderança, pois sem ela os próprios súditos se rebelariam contra o seu príncipe.

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Depois de ter falado como um príncipe deve agir para não ser odiado nem desprezado, a obra faz menção ao modo de um monarca reger seu Estado para, com isso, ser estimado.

“Nada faz com que um príncipe seja mais estimado do que os grandes empreendimentos e os altos exemplos que dá.” – diz ele. Com esse argumento podemos notar novamente o que já fora dito em páginas anteriores: que os humanos somente conseguem enxergar as aparências e não o que realmente se é.

Galgado nisso, faz apologia a uma política mentirosa e apoiada em segredos, mas que infelizmente e principalmente nos dias atuais, podemos ver que não é abstrata.

“É também muito estimado o príncipe que age como verdadeiro amigo ou inimigo declarado...” “...política que é sempre mais útil do que a da neutralidade.” É sempre bom o príncipe mostrar-se disposto a enfrentar alguém como forma de seu poder, pois não agindo assim, mostrará falta de coragem perante outras nações.

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“... os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar.” Com isso pode-se ver que os ministros de um príncipe são uma espécie de termômetro que regula sua sapiência, pois se estes são maus demonstra que o príncipe não soube escolhe-los e nem manter sua autoridade sobre eles, fazendo com que todos achem que ele também não conseguirá manter a ordem em seu Estado.

Já quando ele consegue fazer com que seus ministros ajam corretamente, demonstra que está apto a governar um Estado, pois foi sábio ao escolhê-los e prudente ao conseguir mantê-los sob seu comando.

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Os príncipes, expõe Maquiavel, na tentativa de evitarem os aduladores devem fazer com que o povo diga a verdade, mas assim estes perderão o respeito perante sua autoridade. Deve então buscar um terceiro caminho: ter ao seu lado conselheiros sábios aos quais daria plena liberdade de criticá-lo em certos assuntos, mas somente quando interrogados.

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Maquiavel começa então a explanar os erros cometidos por príncipes como os da Itália que perderam seus tronos por pura indolência dos mesmos. Diz Nicolau: “é um defeito comum dos homens não lembrar das tempestades durante a calmaria.”

Neste caso podemos concluir que os príncipes que agiram imprudentemente terão como conseqüência a perda de seus tronos, e se permitirem ser derrubados esperando que os outros o levantem, muito se enganam. Devem agir para se manterem em seus postos administrativos através de sua grande reputação, não pela má reputação dos outros administradores.

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Com relação à sorte, já nos últimos capítulos do livro, é relatado que ela comanda nossos movimentos apenas em parte, não devendo alguém agir somente à sua mercê. Maquiavel diz ainda que é melhor ser impetuoso do que cauteloso e compara a sorte a uma mulher na qual se é preciso empregar da força para conseguir dominá-la.

Devo discordar, novamente, neste ponto com o autor. No meu ver quem faz nossa sorte somos nós mesmos e não creio que haja uma linha já traçada para nós. Traçamos nossa própria linha a partir das atitudes que tomamos, influenciadas pelo passado, e que no futuro virão também a influenciar nos caminhos que viremos a trilhar.

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No último capítulo de sua obra, Maquiavel trata da “Exortação à libertação da Itália, dominada pelos bárbaros.” Neste final, ele faz um resumo geral de tudo o que havia dito antes, reforçando e fazendo com que seu receptor principal, Lorenzo Medici, pudesse ter uma relação de onde poderia aplicar todos aqueles ensinamentos dentro de seu contexto na época. Dirige-se claramente à ele, tentando fazer com que este, seguindo seus ideais, conseguisse retomar a Itália.

Finaliza sua obra com versos da canção “Italia mia, bem ch’l parlar sai indarno” de Francesco Petrarca na qual diz: “O valor tomará armas contra o furor; e que seja curto o combate! Pois a coragem antiga ainda não morreu no coração dos italianos”.


 

 

Bibliografia

 

Trechos extraídos do livro:

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2003. (Coleção a obra prima de cada autor).