O Mandado de Segurança não é o instrumento adequado para regular o alcance de decisão judicial em outra ação.

21/07/2009 14:10

DECISÃO (Fonte: www.stj.jus.br)

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.714 - GO (2005/0040345-3)

RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

EMENTA:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. ICMS. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. DISCUSSÃO EM JUÍZO. AÇÃO AUTÔNOMA. INTERESSE RECURSAL. AÇÃO MANDAMENTAL. DESCABIMENTO. EFEITOS E CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL.

1. Pretende-se no mandamus que a autoridade fazendária estadual autorize o ressarcimento da empresa impetrante do valor retido pela substituta tributária, em virtude da imunidade do ICMS sobre as operações interestaduais de venda de combustíveis derivados de petróleo, reconhecida por meio de ação autônoma, sujeita à apreciação de recurso extraordinário.

2. O deferimento do efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto nos autos da ação declaratória de inexistência de débito não prejudica o interesse recursal da impetrante. A liminar proferida incidentalmente no apelo extremo apenas produz efeitos a partir da sua concessão, não retroagindo sobre as notas fiscais emitidas entre a impetração do mandamus e a adoção do provimento cautelar.

3. No caso dos autos, a impetrante não se insurge contra o procedimento para o ressarcimento do ICMS, como também não questiona a legitimidade do órgão fazendário para realizar tal controle. A apontada ilegalidade do ato deriva-se da interpretação dos efeitos de decisão judicial concedida no bojo de ação autônoma em que contendem a impetrante, o ente estatal e a empresa transportadora de combustível.

4. O mandado de segurança não é instrumento adequado ao controle do ato impugnado. Compete ao juízo natural da ação declaratória decidir sobre o alcance de seus atos decisórios e aplicar as medidas necessárias ao cumprimento do provimento jurisdicional emanado.

5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

NOTAS DA REDAÇÃO

A primeira vez que se previu o Mandado de Segurança em Constituições Brasileiras foi em 1934, sem se mencionar o direito líquido e certo, previu-se o "direito certo e incontestável frente à Administração Publica", expressão que foi utilizada até a Constituição Federal de 1988, quando então se estipulou no rol do artigo o seguinte:

Art. 5º.

(...)

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

A Constituição de 1988 ainda trouxe como inovação o mandado de segurança coletivo que pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados (art. , LXX, CF/88).

A previsão legal infraconstitucional sobre o mandado de segurança encontra-se na Lei 1533/51, de acordo com a qual, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (artigo 1º da Lei).

Observe-se que no rol do artigo da Constituição há menção a direitos (que são tidos como fundamentais), mas há também previsão de garantias, que são dispositivos assecuratórios utilizados para tutelar direitos.

O mandado de segurança é um instrumento de garantia, pois tem a finalidade de fazer prevalecer direito líquido e certo (sobre o qual não seja necessário se fazer a dilação probatória, ou seja, aquele que tenha prova pré-constituída - com exceção do previsto na súmula 625, STF), contra a autoridade coatora. De acordo com Fernando Gajardoni, citando Hely Lopes Meirelles, autoridade coatora do mandado de segurança é a própria autoridade que serve, no processo, como presentante do Poder Público ou de quem lhe faça as vezes. De acordo com artigo , § 1º, da Lei 1533/51, consideram-se autoridade os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções.

Quanto à possível legitimidade passiva da pessoa jurídica no mandado de segurança, vale transcrever entendimento do STJ, exposto no REsp 547.235 - RJ:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PESSOA JURÍDICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. PRETENSÃO DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA MERITAL.

1. Os embargos de declaração não se prestam para rediscussão de questões desenvolvidas pela recorrente que já foram apreciadas por ocasião do julgamento do recurso especial.

2. A função dos embargos é integrativa, tendo por escopo afastar do decisum qualquer omissão prejudicial à solução da lide, não permitir a obscuridade identificada e extinguir contradição entre premissa argumentada e a conclusão assumida.

3. In casu , inexiste omissão no julgado, tendo em vista que a tutela jurisdicional foi prestada nos limites em que reclamada, eis que a embargante, por ocasião do recurso especial, limitou-se a defender que os sujeitos passivos em mandado de segurança são necessariamente pessoas físicas, e o acórdão embargado, contrariando esta tese, expressamente esclareceu que a pessoa jurídica de direito público a suportar os ônus da sentença, por ter interesse direto na causa, revela-se parte legítima para figurar no pólo passivo da ação mandamental.

4. Como o descontentamento da parte não se insere dentre os requisitos viabilizadores dos embargos declaratórios, impende a rejeição do recurso manejado com a mera pretensão de reexame da causa.

5. Embargos rejeitados.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida no Mandado de Segurança 19.714 - GO, em comento, negou pedido da impetrante para fixar que a Shell Brasil Ltda. deve seguir tendo o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) retido pela Petrobras nas operações de venda de combustíveis à Viplan (Viação Planalto Ltda.). A decisão é da Segunda Turma do STJ e o Mandado de Segurança foi impetrado contra órgãos da Fazenda de Goiás.

Em notícia apresentada pelo próprio site do STJ, explicou-se que para obter a restituição, é preciso que os órgãos estaduais forneçam vistos nas notas fiscais, o que foi negado pelas autoridades. Daí o mandado de segurança dirigido contra essa negativa. O tribunal goiano negou o pedido, afirmando que esse tipo de ação não pode fazer as vezes de recurso próprio, cabível na ação original, o que motivou a impetrante a recorrer ao STJ, alegando que a negativa de ressarcimento resultaria na imputação de cobrança de tributo sobre pessoa que não o contribuinte ou responsável tributário. Contudo, o Ministro rel. Castro Meira entendeu que, em mandado de segurança, não se poderia interpretar os efeitos da decisão judicial nem coagir as partes a cumpri-la, pois compete ao juízo natural da ação declaratória decidir sobre o alcance de seus atos decisórios e aplicar as medidas necessárias ao cumprimento do provimento jurisdicional emanado.

 

Autor: Áurea Maria Ferraz de Sousa